Entenda o que está acontecendo no destrave do PlayStation 3

Artigo originalmente postado pelo Cel. Mostarda, no Baixaki Jogos.

Com a recente quebra de segurança do PlayStation 3, o Baixaki Jogos resolveu analisar um pouco mais o que está acontecendo. No entanto, antes de qualquer coisa, vamos esclarecer alguns pontos:

O Baixaki Jogos não apoia qualquer forma de pirataria. Também lembramos que o destrave em si não está diretamente atrelado à pirataria, sendo que apenas viabiliza que softwares independentes sejam rodados na plataforma.

Além disso, também pedimos aos leitores que respeitem as regras do site, reinterando que — como em qualquer outro local público — o comportamento no site Baixaki Jogos (seja na forma de postagens no fórum, comentários nos textos ou mensagens entre leitores) é permeado por uma série de condições envolvendo a legalidade e a ética, visando a preservar a diversão de todos.

PS3

Destravou
As portas estão abertas
Parece que o ano não começou nada bem para o pessoal da Sony. Tido desde o seu lançamento como o console mais seguro já desenvolvido, o PlayStation 3 foi considerado o Everest dos video games, e, portanto, o “pico” mais desejado pelos hackers.

A escalada digital não foi fácil, muitos tentaram e alguns até chegaram às cercanias do cume, porém ninguém havia efetivamente fincado a bandeira no topo. Todavia, a montanha parece ter sido conquistada.

No final de 2010, um grupo de hackers dedicados — denominado fail0verflow — anunciou que havia conseguido quebrar o sistema de segurança do console e que, em pouco tempo, lançaria um pacote de aplicativos para que todos os donos da plataforma pudessem rodar o que quisessem em seus video games.

Por sinal, vale reinterar aqui que os próprios hackers do grupo fail0verflow se posicionam contrários à pirataria. O “desbloqueio” do PlayStation 3 visa apenas assegurar o direito do consumidor de poder executar o código de sua preferência.
PS3No entanto, a façanha do fail0verflow foi rapidamente superada por outro grande hacker, George Francis Hotz — ou GeoHot para os íntimos. George Hotz (responsável pelo hack do iPhone) foi além e, simplesmente, entregou a “chave-mestra” do PlayStation 3.

GeoHot encontrou a chave de criptografia privada do firmware, ou seja, a senha que diz ao console se o software é legal e pode ser rodado. A divulgação da chave de criptografia causa um problema gigantesco para Sony porque, salvo alguma solução milagrosa, não tem como resolver a questão sem “desabilitar” todos os softwares já produzidos para o console.

Não entendeu? Imagine o seguinte, todos os jogos e produtos já lançados para o PS3 possuem um crachá com o mesmo número. Para entrar no edifício PlayStation3, eles têm que passar com esse crachá na portaria. Assim, o porteiro só deixa entrar no prédio quem tem o tal crachá. O problema é que alguém está entregando cópias deles para qualquer um.

A solução mais simples seria avisar o porteiro que agora o número dos crachás mudou, certo? Errado. Porque todos os outros crachás que já foram emitidos têm o número antigo. Se o porteiro só pode liberar a entrada para o novo número, todos que estiverem com o crachá antigo serão barrados, mesmos os cartões oficiais. Entenderam o tamanho do problema?

Agora, de posse da chave de criptografia, os hackers poderão desenvolver qualquer tipo de aplicativo para o console. Assim, já estão correndo pela internet aplicativos independentes (homebrew) que rodam sem restrição no PlayStation 3 desbloqueado.

Demorou
Como tudo começou
LinuxSegundo a equipe fail0verflow, o PS3 só foi hackeado porque perdeu a funcionalidade OtherOS — que permitia a instalação de outro sistema operacional, notadamente o Linux. A explicação é simplista, mas coerente.

Obviamente, existiam pessoas trabalhando na quebra da segurança do PS3 antes da remoção da funcionalidade OtherOS. No entanto, a maioria dos hackers estava contente com o fato de que a Sony, mesmo que com certo prejuízo financeiro, trabalhava com algum nível de liberdade tecnológica.

A utilização do OtherOS abria portas que agora foram arrombadas. Programadores amadores instalavam o Linux em seus video games e brincavam de criar jogos, firmwares personalizadas e outros aplicativos caseiros para o console.

Assim, como o fail0verflow explica, a funcionalidade foi suficiente para satisfazer uma pequena parte dos consumidores que queria exatamente aquilo. Isto, por sua vez, deixou a segurança do console fora do radar de muitos hackers, que não precisavam arrombar as portas do PS3.

Mais uma vez, fica o alerta para a simplificação dos fatos. É verdade que muitos hackers estavam contentes com a abertura do PS3 por meio da funcionalidade OtherOS. No entanto, a maioria dos hackers não é movida por ideologia, mas por interesses financeiros.

Muita gente não se importava nem um pouco com o fato de o console ter ou não ter suporte para outros sistemas operacionais. O verdadeiro interesse estava na quebra da segurança para o desenvolvimento de jogos piratas.

Mesmo assim, não é muito difícil de concordar com o raciocínio do fail0verflow. A remoção do suporte para Linux no PlayStation 3 foi uma espécie de estouro da boiada. A comunidade hacker que se encontrava pastando em liberdade começou a correr na mesma direção, intensificando consideravelmente os esforços para desbloquear a plataforma.

Impacto
E agora José?
Muita calma nessa hora. Algumas pessoas condenam a ação dos hackers que revelaram a falha de segurança do console. No entanto, antes de criticar, devemos ponderar: a falha estava de fato presente no PS3 — tanto é que foi descoberta e explorada pelos hackers que encontraram a chave de criptografia.

No final das contas, foi melhor que um grupo de hackers "white hats" — aqueles do bem, não maliciosos que ajudam no desenvolvimento de sistemas mais seguros — tenha descoberto e divulgado o erro. Imagine se antes de todos um "black hat" (o hacker do mal, que desenvolve vírus destrutivos e maliciosos) ficasse ciente e explorasse a falha para atacar os outros?
Melhor assim, agora a Sony sabe que existe uma falha grave no seu sistema de segurança e os próximo dispositivos da empresa serão mais seguros. Segurança não significa apenas algo antipirataria, significa um sistema no qual você, o consumidor, não está vulnerável a ataques externos.



No meio disso tudo, ainda temos as desenvolvedoras. Se você acha que elas estão loucas da vida com os hackers, você está errado. As empresas que desenvolvem jogos sabem que o hack do PS3 pode trazer muito prejuízo com a consequente pirataria de jogos — não adianta negar, apesar do conceito de tecnologia livre ser muito belo, muita gente utilizará o hack para rodar jogos pirateados.


No entanto, as desenvolvedoras e publicadoras estão mais aborrecidas é com a própria Sony. Para quem não sabe, as empresas pagam uma espécie de “licenciamento” para criar jogos para o PS3 (ou qualquer outra plataforma).

Basicamente, resumindo tudo a termos bem superficiais, a companhia paga para pegar a chave de criptografia. Em outras palavras, você arca com este licenciamento, justamente porque a plataforma é mais difícil de ser pirateada — argumento que acabou de ir por água abaixo no caso do PS3.

Não há dúvida de que o PlayStation 3 foi o console mais seguro já feito, até o recente desbloqueio. Mesmo o lançamento do PS3 Jailbreack, na metade do ano passado, foi rapidamente contornado com uma simples atualização de firmware.

Todavia, a divulgação do código mudou tudo isso, e efetivamente transformou o console na plataforma mais fácil de ser desbloqueada — ainda mais simples do que o Wii, DS ou PSP, que exigem algum conhecimento técnico para rodar software pirata.

 

Homebrew
Feito em casa
Depois que GeoHot divulgou a chave, tudo ficou muito fácil. O próprio desbloqueio é feito rapidamente por meio de um simples pendrive: basta baixar o arquivo de atualização da firmware 3.55 e colocar o conteúdo do pacote Jailbreak.zip disponibilizado originalmente por GeoHot.

Com a atualização “preparada” no pendrive, o console reconhecerá o arquivo automaticamente. O procedimento é o mesmo de uma simples atualização e, agora, uma série de aplicativos caseiros já começa a pipocar pela internet.

Entre os mais interessantes está o retorno do Linux ao PS3 e uma lista de emuladores capazes de rodar jogos de outras plataformas diretamente no PlayStation3, como o snes9x 4.4.1, Mednafen Genesisplus e o Final Burn Alpha Multi-Arcade Emulator.



Além destes, várias ferramentas de programação que permitem a criação de jogos já estão se espalhando. Já se especula a introdução de várias outras funcionalidades como a introdução de suporte para reprodução de vídeo formato MKV e desbloqueio de região dos discos de DVD e Blu-ray.

O desenvolvimento de aplicativos caseiros para o PS3 destravado também pode trazer suporte para controles, drivers e outros periféricos USB e bluetooth não oficiais — quem sabe até a possibilidade de utilizar controladores do Xbox 360 e Nintendo Wii.

Outra funcionalidade interessante que pode aparecer em breve nos sites especializados é a capacidade de “remapear” os botões do controle — permitindo a personalização dos controles para cada jogo. Novos aplicativos também podem trazer uma navegação de internet mais rápida.

Também podemos esperar o lançamento de vários leitores de texto, com suporte para os principais formatos como PDF e txt., bem como o desenvolvimento de softwares de leitura especiais, como os comic readers (para a leitura de revistas em quadrinhos).

Porém, os homebrews mais aguardados são os de jogos com suporte para o Move e PSEye. Pense na onda de hacks do Kinect, mas na forma de jogos caseiros para o PlayStation Move.



Futuro
Depois da tempestade
O estrago já está feito. Salvo algum milagre digital, a Sony terá que aprender a lidar com o fato de que o seu precioso console foi definitivamente desbloqueado.

A discussão sobre hardware livre, pirataria, direitos de desenvolvimento, propriedade intelectual e segurança eletrônica pode se estender por muitas horas (ou linhas). No final das contas fica a impressão de que a indústria pode aprender com o que está acontecendo.

Ao que tudo indica, o PlayStation 3 ainda estaria impenetrável se a Sony não tivesse despertado o gigante adormecido. Se o preço para “apaziguar” a maioria dos hackers capazes de explorar ostensivamente eventuais fraquezas do seu sistema era um pouco de liberdade, será que não valeria a pena pagar por ele?

No caso do PlayStation 3 uma simples versão, limitada e bem monitorada, do Linux rendeu alguns anos de paz à Sony. Foram praticamente quatro anos inteiros sem pirataria.

Se os hackers com talento para destravar as fechaduras digitais estão buscando apenas liberdade para utilizar o hardware como quiserem em vez de rodar jogos piratas, já está na hora de todos os fabricantes reverem essa questão e pararem de tratar o caso como uma guerra ideológica.

Acordos e concessões de ambas as partes renderiam produtos mais seguros para os consumidores e menos vulneráveis à pirataria para as empresas. Plataformas nas quais jovens desenvolvedores podem exercer sua criatividade sem restrições renderiam mais jogos e funcionalidades que, eventualmente, poderiam ser absorvidas pela indústria por meios legais.

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